sábado, 9 de maio de 2009

parlons de la fête avant de la Parade Gay:


" Mais uma vez a parada gay se torna o assunto preferido de dez em cada dez. O calendário se acerta, as comemorações são organizadas e a excitação geral se intensifica com a proximidade do evento que sempre ocupa as primeiras páginas dos principais jornais.

Entretanto percebo com tristeza o crescimento de um novo perfil de festas dentre as celebrações que antecedem o dia de irmos às ruas. Uma visão limitada e pobre tem inspirado alguns promoters e outros tantos formadores de opinião.

Por alguma razão estranha decidiram promover eventos assumidamente exclusivos para um determinado perfil de homens gays. O estereótipo deste seguimento é bem conhecido e aparentemente inofensivo: o de alguém rico, vestido com roupas caras, que consome de forma desenfreada, viaja muito, convive entre seus iguais e é apegado a valores como status, posição social e regras de salão. Nada de mais? Por um comportamento semelhante certo rei foi guilhotinado no século XVIII.

É claro que não há mistério sobre as motivações dos alardeadores deste conceito. A razão mor é a alta rentabilidade que significa lidar com gays que possuam este perfil. Entretanto tenho outra leitura a respeito deste fenômeno. Acompanhem o raciocínio: O garoto nasce homossexual e não tem em casa, ou na família, ou na escola exemplos sociais que expressem uma forma de lidar com a própria sexualidade. Passa a adolescência entre piadas homofóbicas e comentários maldosos além de, muitas vezes, ser vitimado por bullying quando sua personalidade se mostra mais delicada que a dos outros meninos. Ele cresce, se forma, começa a trabalhar, mas sempre em um mundo heterosexista. Agora imaginem a figura hipotética de um marqueteiro inescrupuloso que percebe que o consumo pode ser um caminho possível para a construção da autoimagem do nosso rapaz...

“A sociedade está cheia de gays que desejam seu espaço, um modelo social a seguir, com uma vida plena e respeitável... Oras, vamos formular este modelo!” Pensa o nosso anti-herói imaginário. Sem maiores reflexões ele cria o gay ideal à la Beleza Americana onde o casal de homens ricos, bonitos e consumistas se inserem não em uma sociedade de cidadãos, mas de consumidores.

Saindo do campo das abstrações o que vejo é que este modelo de super-homem gay foi recentemente convocado para participar de uma festa no “maior templo de consumo do nosso país” e, para provar a si próprio que pertence à categoria de “gente interessante, bem relacionada e relevante para a cena gay nacional e gringa”, deverá obter através de sua rede de contatos um convite para outro evento amplamente anunciado na web.

“Pára, bee! Eu quero é luxo, glamour e poder! Que venha mais champanhe!!!” Diria o super gay no intuito de defender este critério de seleção, sem se importar em pagar o mínimo de sua fatura vultuosa no cartão de crédito.

Mas vamos voltar à realidade. Sabemos todos que esse negócio de ascensão social no sistema capitalista é praticamente uma loteria. O cidadão pode até melhorar de vida, comprar um apartamento, um carro melhor, viajar... Mas ficar rico em uma geração? Talvez casando com um milionário, acertando na mega-sena, começando um negócio inédito e revolucionário... Ou seja, tornar-se este gay ideal só é possível para alguns poucos afortunados. Para todos os outros só restaria o mundo dos sonhos e da fantasia.

Eis então a questão mais delicada: o sonhar. Certa vez ouvi: “negociar sonhos pode ser muito lucrativo para quem vende, mas sai extremamente caro para quem compra”. Logo exaltar a idéia de luxo e exclusividade é anacrônico se comparado aos ideais de liberdade que defendiam os homens e mulheres de Stonewall Inn quando houve em Nova Iorque o levante dos gays que formatou a tal Parada que se anuncia.

Mas também é cruel, pois sabemos que a maioria dos gays, bem como a maioria dos brasileiros, não tem uma conta bancária de nove dígitos. A maioria de nós, quando não vive em apartamentos alugados, ou na casa dos pais, reside em um modesto imóvel de aproximadamente dois dormitórios pago à custa de muito trabalho e esforço pessoal. Certamente este modelo não coaduna com a fantasia proposta por uma festa no terraço de uma loja cuja proprietária, esta sim muito rica, já foi presa por praticar o mesmo crime de sonegação fiscal por duas vezes, mas infelizmente ainda goza de sua liberdade por vivermos em um país onde os muito ricos contam com a impunidade.

Então o que adianta uma festa fabulosa (ouvi dizer que há convites por R$350,00) se a realidade do gay no Brasil ainda é a de ser um pária na sociedade? Mais uma vez a astúcia do ambicioso marqueteiro genérico (e há muitos por aí) mostra seu lado perverso: vender a fantasia de festejar em pleno “paraíso do consumo” para rapazes gays que têm uma série de direitos civis desrespeitados pelo estado, que são tratados com desdém pela sociedade e que, muitas vezes, apenas encontram espaço para sua livre expressão em eventos como os da “semana da parada”. Não posso deixar de lembrar que muitos, buscando uma efêmera sensação de inclusão, reservarão parte relevante de seus rendimentos para gastar neste tipo de reunião social.

“Ai que chata que você é, bee!”. Talvez dispare o defensor desta estética, se é que ainda não morreu de vergonha. Que resposta eu ainda poderia dar para tal interlocutor? Sou absolutamente a favor de celebrações, mas daquelas que visem à inclusão. Que bobagem é essa de criar um gueto dentro do gueto? Lembro com saudades de uma Level lotada por todos: as *reeecas* e *feeenas*, as *wannabees*, as travestis, os suburbanos, os jovenzinhos, as *bunitas*, as *camisetes*, as *colocadas*, os famosos, os anônimos, os michês, o povo das outras cidades... Sempre a preços razoáveis e aberta a todos. A questão não é querer ganhar dinheiro. Que fiquem ricos! O problema é a ideologia por trás de eventos com este viés exclusivista, que sugerem um Apartheid ("vida separada") entre os que detêm o poder econômico e todo o restante do povo gay. As comemorações que antecedem a grande parada de São Paulo deveriam ter como lema a união, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Só assim mostraríamos ao futuro como fomos dignos do nosso tempo!

Fui aluno do historiador Valério Arcary no colegial. Ele sempre usava uma frase que dizia o seguinte: “Só se alcança a liberdade num clima de fraternidade. Mas não há fraternidade possível entre desiguais”. Apesar de não concordar com o marxismo radical que norteou minha formação sou do tipo que sonha com um mundo mais justo, onde todos sejam iguais (como de fato somos), e não precisem ser marcados por triângulos cor de rosa ou por "pulseiras lacradas" que definam quem merece, ou não, um lugar ao sol. "

(imagem de uma das primeiras passeatas gays nos E.U.A.)


Extraído sem autorização, mas com a devida citação autoral do
blog do uomini

3 comentários:

  1. Pois é... as intenções são boas, mas infelizmente esse tipo de iniciativa acaba se desvirtuando com o tempo... é uma pena.

    Abração!

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  2. nossa!
    mto bom texto mesmo
    o uomini tá de parabéns
    mas tenho q discordar em um ponto:
    há outra forma de garantir respeito na sociedade capitalista sem ter poder econômico? tem mtos estudos sobre teoria queer que trata sobre isso, as associações entre capitalismo e identidade gay, o próprio conceito de GLS, que possibilitou no Brasil uma clara mudança de pensamento sobre os gays, só aconteceu porque este se tornou um mercado rentável. Existe outra forma?

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  3. Não seja por isso: Autorizado! Um abraço.

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